Anna Urquiza: como se reinventar
Embora tenhamos a impressão de que tudo já foi criado e muito está instituído e consolidado, vivemos períodos de mudanças comportamentais e éticas, muitas vezes impulsionadas pelas evoluções/transformações tecnológicas. Também continuamos a lutar por questões que há tempos foram levantadas, porém, como sociedade, insistimos em caminhar para frente e retroceder alguns passos, tendo a sensação de não sairmos do lugar. Uma destas questões é a posição da mulher na sociedade. Apesar das evoluções que, sem dúvida, melhoraram muito a vida de pessoas do gênero, na maior parte do planeta sabemos que nossa existência poderia fluir muito melhor se, não somente as mulheres, mas principalmente os homens se conscientizassem que os problemas sociais vividos por nós é também problema deles e/ou consequência desta estrutura vigente, e que eles também precisam agir.
É neste lugar que a meu ver se desenvolve atualmente a pesquisa de Anna Urquiza.
Assim como muitas artistas visuais que empreendem em suas produções artísticas vindas de outras profissões, formando uma base poderosa no circuito brasileiro de artes visuais, Anna traz a arte no seu radar de casa, tendo outra mulher como referência, sua mãe ceramista. Embora tenha iniciado na fotografia ainda na adolescência e atuando até hoje, formou-se em Medicina Veterinária pela USP em 1995, trabalhando cinco anos na área e recentemente investe em estudos teóricos e práticos voltados para artes visuais.
Uma mulher se reinventando diante das condições que lhe são colocadas.
Mas uma mulher artista nunca é só uma artista: no protótipo do feminino, ela tem que ser esposa, mãe, filha, nora e cumprir seu ‘papel social’ antes. E esta é também a trajetória de Urquiza. Ela que traz em seus trabalhos, de forma direta, como ainda somos subestimadas – a exemplo das obras com títulos irônicos – Bens e Direitos, Só o pó e Mulher aperitivo – bem como imposições que este corpo feminino sofre – Série pedaços, Produção em série e Sale. Anna também traz esperança na mudança através das pessoas, como indica nas gravuras Sororidade ou em pinturas mais antigas intituladas Duo e Amor, em que apresenta duas figuras femininas em cumplicidade, em que eu particularmente percebo suas relações de maternidade como filha ou mãe.
A impressão imediata é que são assuntos já muito discutidos e sabidos, mas aí é que está, pois voltamos ao início deste texto: ainda hoje é necessário apontar comportamentos e pensamentos em que continuamos a reincidir, trazendo de novas formas de abordagem com nuances que ainda não foram pensadas. É esta a proposta atual de Anna Urquiza, que parte da sua condição de mulher que cumpriu alguns protocolos sociais e que agora vislumbra uma nova perspectiva através de produção visual.
Recentemente a artista participou de uma mostra coletiva cujo título traz uma pergunta que dialoga muito com suas questões: E se as mulheres não precisassem ser a exceção?
Cristina Suzuki
Artista visual